Treinador, passou pelo S.C. Salgueiros e pelo L.Lourosa onde acompanhou Rui Quinta. Como treinador de formação, passou pela União Desportiva Oliveirense e pela Dragon Force, a escola de futebol do FC Porto. Ex-aluno do Professor Vítor Frade, idealizador da metodologia Periodização Tática, Paulo Renato Farinhas partilha connosco a sua visão sobre o papel do treinador de futebol especializado em guarda-redes.
Para você, o que é ser treinador de futebol, especialista em guarda-redes?
Renato Farinhas : Antes de mais devo fazer esta introdução : Para mim, ser treinador de futebol é sobretudo criar contextos futebolísticos que estimulam o surgimento de comportamentos coletivos e individuais, guiados por uma ideia comum! No meu caso particular, sou um treinador adjunto responsável pelos guarda-redes, o que significa que estou subordinado a um Treinador Principal, que pretende implementar uma ideia de jogo num determinado contexto (país, região, clube, jogadores, cultura). E é esta ideia de jogo que vai guiar todo o processo de treino.
Para mim, o treino deve estimular a emergência de um modelo de jogo (resultante da ideia de jogo e do contexto em que treinamos – clube, jogadores, etc.).
Neste contexto, teremos guarda-redes que não jogam sozinhos. Cabe-me a mim e a toda a equipa técnica (porque todos nos identificamos com a ideia de jogo do Treinador Principal) ajudá-los no seu jogo, da mesma forma que vamos ajudar todos os outros jogadores.
Como ? Jogando ! Para mim, o melhor contexto de aprendizagem é jogar ! E que jogo ? O nosso ! Treinamos através de exercícios jogados, com poucas regras (para não retirarmos a natureza do jogo), mas as suficientes para que certos comportamentos do nosso padrão de jogo ocorram com mais frequência. Ao mesmo tempo procuramos estimular ao máximo a competição nos treinos !
Por norma, noutros contextos, os guarda-redes treinam muito tempo separadamente e trabalham os aspectos ‘técnicos’ e ‘físicos’. Mas da mesma forma que consideramos o corpo como um todo, o guarda-redes também faz parte de um todo (a equipa). Na minha opinião, os guarda-redes têm de treinar com todos os jogadores, subjugados por algo. Esse algo é como a equipa joga, em funçao de princípios de jogo.
Durante os primeiros 15 minutos de uma sessão de treino, normalmente a ativação dos Guarda-Redes é comigo, pois são jogadores claramente com padrões comportamentais diferentes e precisam de se preparar para os mesmos. Da mesma forma que os outros jogadores fazem pequenos jogos (por exemplo, rondos) para preparar os seus corpos para a sua maneira de se mover. É prepará-los para jogar, jogando. E faço isso, apresentando contextos complexos (simplificados) e intencionais (informação) que envolvem os seus mecanismos percetivos e de tomada de decisão. Eu não faço “5x a bola vai aqui e depois a bola vai lá. Vemos um jogador de campo a fazer “5 passes com esta parte do pé, 5 passes com outra, etc.”, durante o aquecimento ? Não. Eles jogam ! Com o guarda-redes é exatamente o mesmo.
Existem 3 critérios que todos os meus exercícios têm: Imprevisibilidade, porque o jogo é imprevisível; Ideia de jogo, onde os princípios de jogo dos nossos guarda-redes (cada um com as suas características) são o que orienta o processo e estão sempre presentes nas tarefas apresentadas; Competição, procuro sempre estimular algum tipo de competição, para que a “carga” emocional possa ser relevante e a ativação possa ter impacto neles.
“Para mim, a técnica é a forma como o corpo do guarda-redes interpreta as informações externas. A maneira como eles se movem é algo único para cada um deles, e eu não interfiro diretamente nisso.”
Como vês a metodologia da Periodização Tática no contexto dos Guarda-Redes?
Mais uma vez tenho que reforçar que a forma como vemos o treino e como a Periodização Tática o preconiza é completamente diferente das conceções convencionais. Aconselho a todos os curiosos e entusiastas do treino procurarem perceber isto, seja através do livro do Jorge Reis (tudo o que sustenta cientificamente o morfociclo está muito bem ilustrado no mesmo) ou através da Escola Oficial de Periodização Tática (https://tacticalperiodization.teachable.com/).
Assim, devo referir o que penso sobre as dimensões do treino. Elas não existem isoladamente assim como a mente não se separa do corpo. Quando digo « corpo », quero dizer tudo: cabeça (mente), tronco e membros!
Então, para mim, a técnica (que é uma das principais preocupações dos treinadores de guarda-redes em geral) é timming, e não tem nada a ver com a forma como o corpo se move mecanicamente (que é o foco da maioria dos treinadores de guarda-redes). Para mim, a técnica é a forma como o corpo do guarda-redes interpreta as informações externas. A maneira como eles se movem é algo único para cada um deles, e eu não interfiro diretamente nisso. Independentemente do contexto, seja a nível sénior ou de formação de jovens, é assim que eu vejo a questão das dimensões do treino. Para mim, existe apenas uma dimensão: desempenho.
Com base nisto, procuro ajudar os guarda-redes a criar critérios que orientem o seu comportamento, em função de princípios de jogo. Princípios de jogo que estão sujeitos a uma ideia coletiva de jogar.
Na prática, ajudo os guarda-redes a prepararem o corpo para o treino (10-15 minutos), e depois passam o resto do treino a jogar com a equipa. Durante este tempo, além de gerir a sua utilização nos exercícios jogados, ajudo-os com a minha intervenção gerindo os momentos somáticos relevantes através de feedbacks positivos quando fazem coisas boas. Quando tomam uma decisão menos acertada, se surgir a oportunidade, discutimos o que aconteceu, se não, a gravação em vídeo da sessão de treino ajuda a interpretar/lidar com esses momentos « negativos », mas a principal ênfase é nas coisas boas !
Os exercícios propostos são planeados por toda a equipa técnica, cabendo-me assegurar que os comportamentos que irão surgir para os guarda-redes sejam relevantes e com um grau de solicitação aceitável ! Essa verificação é, então, realizada « in vivo » no treino, para garantir que eles “treinam” !
Num morfociclo padrão, com jogo domingo a domingo, Segunda-Feira é dia de folga. Obviamente, muitos treinadores não descartam trocar a folga de segunda-feira por terça-feira por considerarem que isso deixa muito tempo sem atividade aos jogadores que não foram convocados ou que jogaram menos tempo de jogo. Depende da sensibilidade de cada um. Isto não significa que eles não respeitem a metodologia. Mas nós percebemos o dia seguinte como essencial para o “reviver” inconsciente e consciente da experiência passada no jogo, sem, portanto, querer interferir neste processo somático. Daí só treinarmos no segundo dia após o jogo.
Na Terça-Feira, o guarda-redes que jogou no fim-de-semana faz o mesmo trabalho de recuperação ativa dos jogadores de campo que jogaram porque para todos os jogadores a fadiga é sistémica. A cabeça, tronco, membros superiores e membros inferiores não são separados. O corpo não se separa no pescoço. É um todo! É o corpo. A neurociência indica que, como o corpo funciona como um todo, ele deve recuperar-se como um todo, não separando a cabeça do resto. É uma visão holística do ser humano, e não analítica, o que implicaria, por exemplo, que devemos recuperar o braço direito, depois a perna direita…
Assim, para mim, temos que solicitar o que foi solicitado no jogo, e fazemos isso jogando, mas, claro, numa dose menor. O que é isto de “uma dose menor” ? Não é treinar a 80% nem a 60%. Para nós isso não existe ! Em todos os exercícios propostos os jogadores têm que dar o máximo, a dose é gerida pelos treinadores e não pelos jogadores. Esta forma de treinar está presente desde o primeiro dia !
Relativamente aos Guarda-Redes, neste dia de recuperação o guarda-redes que jogou faz um trabalho de recuperação como os outros jogadores. E sobretudo, da mesma forma que se cansou, jogando.
Antes de falar dos próximos três dias do Morfociclo, é fundamental referir a analogia das cores que a Periodização Tática usa. Estamos a falar de uma simbologia que serve para explicar a forma como as nossas fibras musculares rápidas se expressam em função de algo (informação): tensão (azul) e velocidade de contração (amarelo), que, quando jogamos, se entrelaçam surgindo assim o verde !
É por isso que quando estamos a recuperar usando o jogo em pequenas doses, o verde é verde claro, e quando a dose aumenta o verde fica mais escuro. Repito aqui o alerta: são os treinadores que gerem a dose e não os jogadores !
A seguir, ainda tem que se ter a noção de duas problemáticas que estão sempre presentes no uso desta metodologia: a necessidade de recuperar para poder desempenhar outra vez; e a necessidade de garantir que não haja uma “diminuição”individualizante, pelo facto do nosso foco ser coletivo e de, por vezes, o jogo não solicitar todos os jogadores da mesma forma.
Assim, quando chegamos a Quarta-Feira, ainda estamos a recuperar do jogo anterior (por isso é que os exercícios propostos devem ser verdes claros). E entre exercícios queremos potencializar o plano individual através de momentos de tensão (azul) máxima em alongamento dinâmico (principalmente dos posteriores da coxa). Porquê ?
O livro do Jorge Reis explica isto, detalhadamente, para quem quiser aprofundar: a importância de combinar o efeito retardado de desempenho coletivo (provocado pelo jogo, que atingirá o seu ápice na Quinta-Feira) com um efeito retardado de desempenho individual estimulado na Quarta-Feira naqueles momentos de tensão máxima (azul). Isto fará com que os jogadores atinjam uma fase de exaltação ou supercompensação coletiva e individualmente no treino de Quinta-Feira.
Mas por que não usamos também situações de jogo nestes momentos ‘azuis’ ? Bem, nas situações de jogo (verde claro) alguns jogadores podem conseguir isso (por exemplo, os guarda-redes são certamente os jogadores com mais ‘azul’ no seu padrão metabólico, uma vez que a sua posição envolve muita explosão, mudança de ritmo etc.). Mas, como não podemos garantir que eles têm, pelo menos, uma ou duas situações máximas criamos uma situação mais simples/controlada, entre exercícios, para garantir que a potenciação no plano individual aconteça. Agora isto não é linear. Apesar de parecer simples (recuperar, aquisitivo plano individual, recuperar, aquisitivo plano individual…), por vezes, pela nossa sensibilidade enquanto treinadores (que sentimos as coisas “in vivo”, pelo momento na época, por toda uma série de fatores que interferem com o processo de treino), fazemos apenas 1 ou 2 momentos, ou até nem fazemos! Pois cada contexto é um contexto diferente, cada semana é uma semana diferente, etc.
Quinta-Feira, o processo de recuperação de todos só se garante neste dia, quatro dias após o jogo. Este é o treino mais importante da semana, os guarda-redes fazem a ativação e treinam o resto do tempo com a equipa. Isto porque não há quem crie um exercício que gere tantas aquisições em interação com os princípios do nosso modelo de jogo da equipa que o próprio JOGO.
Na Sexta-Feira, a lógica é a mesma da Quarta-Feira. Embora seja raro os guarda-redes atingirem a velocidade de contração máxima em jogo, eles precisam participar nestas situações também. A variabilidade e a agilidade que os jogadores têm são muito importantes, por isso o corpo do guarda-redes estará pronto para este tipo de estímulo, garantindo a tal potenciação do plano individual da equipa. Assim, eles continuam a treinar em contextos verdes claros, com algumas situações simples entre exercícios que estimulam a velocidade de contração máxima (amarelo).
Sábado, véspera da partida. A principal preocupação é ativar os seus corpos. É uma sessão de treino que também pode ser usada para polir algum último detalhe para o próximo jogo, mas sempre em contexto de jogo e sempre em pequenas doses.
Volto a reforçar que esta é uma forma muito simples de falar de algo que é bastante complexo e cuja sustentação científica é realmente profunda. Isto não é uma coisa de “copiar e colar”. O que resulta com um grupo de trabalho num determinado contexto pode não resultar com o mesmo grupo de trabalho num contexto diferente. Os processos de treino apresentam os mesmos princípios metodológicos, mas a sua aplicação varia consoante o contexto. É um “fato feito por medida” !
Na continuidade do morfociclo, o último momento preparatório para a partida é justamente o aquecimento pré-jogo. Que pensamentos tens sobre este último ‘treino’ ?
Bem, primeiro para mim não é treino ! A ativação pré-jogo, para mim, tem duas premissas. A primeira é que a ativação é deles, não é minha, e serve para se adaptarem ao contexto (o espaço, o ambiente, a relva, o clima, os companheiros, etc). A segunda é que ativamos fazendo o que vamos fazer na partida, individual e coletivamente.
A ativação é adaptada ao que o guarda-redes gosta de fazer nesta rotina de pré-jogo, aliado às situações comportamentais que vai ter no jogo, individual e coletivamente (tal como os outros jogadores). Quanto à duração, esta pode variar entre 10 e 30 minutos. A ativação deve ser a mesma quando estão 35°C e quando está -1°C? Quando há muito vento, isto deve ser levado em consideração no aquecimento ? Há muitos fatores a considerar neste momento.
Se possível, ele também deve fazer ações coletivas.
“O guarda-redes não precisa, necessariamente, de ser alto, como todos dizem, super rápido, super ágil ou “tecnicamente” refinado. Ele precisa é de ser mais rápido que os outros a interpretar o jogo.”
Abordas o trabalho de forma diferente na formação e com profissionais?
Na formação de jovens jogadores e, portanto, guarda-redes incluídos, não me interessa o treino de “técnicas ». Um miúdo de 11 anos não terá o mesmo corpo aos 15. Então, porquê focar-me em trabalhar aspectos físicos e detalhes técnicos se, no ano seguinte, ele estará com um corpo completamente diferente ? Ele passa todos os anos a reaprender a usar o seu corpo. É por isto que me concentro no entendimento do jogo. Se aos 11, um guarda-redes entende o princípio de jogo bola coberta/descoberta, não importa como o seu corpo vai evoluir e, mesmo que o campo e a baliza se tornem maiores, o entendimento do jogo é mantido. A sua habilidade, por mais ou menos refinada que seja, irá ser sempre em função do seu jogo. A habilidade motora só o é quando há contexto, e quem o diz são as ciências que estudam o Desenvolvimento Motor ! Com o tempo a mesma será cada vez mais eficiente. Mas o que é eficiente para mim pode não ser para o indivíduo que está à minha frente, pois o entendimento que ele tem do jogo e do seu corpo é dele e só dele! Por isso é que eu só me foco no jogo deles !
Então, com isto em mente, as minhas preocupações são exatamente as mesmas. Mas claro, é preciso entender qual é o jogo de um guarda-redes aos 11 ou 12 anos dentro do contexto em que ele está, e entender o que é o jogo de um guarda-redes profissional que tem uma equipa que joga com uma ideia coletiva. É o contexto que te diz as coisas. É o contexto que orienta tudo. É simplesmente necessário diminuir ou aumentar a complexidade dos exercícios de acordo com o nível de compreensão de jogo dos jogadores. Mas a minha preocupação é sempre o jogo. É dentro do jogo que eles trabalham o desempenho deles, não o meu (algo que é muito difícil para muitos treinadores de guarda-redes e treinadores de formação entenderem).
Em termos de metodologia, as preocupações são as mesmas dos sub-15 para cima. Antes dos sub-15, a aplicação da metodologia é adaptada. Deixamos que o “azul” e o “amarelo” aconteçam naturalmente nas situações de jogo propostas.
Uma coisa que é muito importante com os jovens, é a dose e a pausa. As crianças gastam muita energia apenas para crescer, e nós como treinadores temos a responsabilidade de não interferir nesse processo, por isso devemos ter muito cuidado para evitar o sobretreino !
Os princípios do jogo também orientam o guarda-redes a adaptar-se aos constrangimentos do imprevisível ambiente futebolístico e a responder a esta não linearidade ?
É fundamental. Por exemplo, na minha opinião, existe um princípio básico e nuclear para os nossos guarda-redes quando a equipa não tem a bola. Vamos imaginar esta situação: a nossa equipa perde a bola no terço ofensivo (no meio campo adversário). O primeiro objetivo coletivo é reduzir os espaços, tornar o campo pequeno e, logo que possível, o jogador que está mais próximo pressionar a bola. Agora pergunto: o que é que determina o comportamento das duas linhas (média e defensiva) que estão atrás de quem pressiona a bola ? É a referência: bola coberta ou descoberta. Para o Guarda-Redes é o mesmo, o Guarda-Redes é um setor de um homem só !
Bola coberta, quando o contexto não permite que o portador da bola ataque as tuas costas. Bola descoberta, quando o contexto indica que há uma forte possibilidade de a bola ser posta nas tuas costas.
Este é o princípio que rege todas as ações do guarda-redes. Porque o guarda-redes é, provavelmente, o único jogador da equipa que passa 99% do seu tempo de jogo a defender à zona. Os restantes 1% são os poucos duelos 1vs1. Em muitas situações, a bola fica descoberta, o que permite ao jogador adversário colocar a bola atrás da defesa, mas para o guarda-redes não. Pois, por diversos motivos, não existem condições para haver um remate à baliza. Qual é o primeiro comportamento que a maioria dos guarda-redes faz quando a equipa perde a bola no terço ofensivo ? É recuar ! Mas porquê ? Se recuarem porque há realmente um perigo notório de remate à baliza, então top ! No entanto, na maioria das vezes, não há esse perigo, e eles recuam na mesma !
Isto não faz sentido. Aquilo que é a norma nos comportamentos da maioria dos guarda-redes, e que é trabalhado com os seus treinadores, prende-se com, independentemente, do que está a acontecer ao redor da bola, se esta estiver em determinada posição do campo, o guarda-redes deve permanecer também numa determinada posição. Isto não é assim, o jogo não é assim !
Por vezes a equipa está a recuar porque há claramente uma possibilidade de a bola ser posta nas suas costas, mas, por algum motivo (orientação corporal do adversário, receção da bola, etc.), é impossível atacar as costas do guarda-redes e aquilo que ele tem que fazer é manter a sua posição ou, eventualmente, avançar ! Então, onde é que o guarda-redes se posiciona ? Não sei ! Cada guarda-redes é diferente e ajusta o seu posicionamento consoante o contexto e o que se sente confortável a fazer, mas, o príncipio de jogo está sempre presente.
Falámos no sentido longitudinal do campo. Mas, o princípio também funciona na direção transversal. Vamos imaginar que a bola está no corredor lateral fora da grande área (área de grande penalidade) e que o adversário está prestes a cruzar. O que é que o guarda-redes deve proteger? A baliza, o espaço à sua frente e as suas costas. Nesta situação, a baliza está ao seu lado e as suas costas passam a ser o espaço que pode ser atacado para finalizar (zona do 2º poste). Não faz sentido para o guarda-redes mover-se para o primeiro poste se a bola estiver descoberta. No entanto, é isto que a maioria faz.
Se ajustar o seu posicionamento com base no principio da bola tapada/destapada, o guarda-redes terá uma visão ampla do que está a acontecer ao seu redor e poderá decidir de acordo com o que está a acontecer. Ficar no primeiro poste, independentemente, do que acontece perto da bola (coberta ou descoberta) e dos perigos que existem na área (quantos adversários e onde), mantendo sempre a mesma posição, isto não é futebol. É lotaria! É mecânico e o futebol não é mecânico.
Na continuidade disto, podemos falar sobre o porquê de muitos guarda-redes não saírem da baliza para intercetar bolas aéreas que surgem na área de baliza (pequena área). Este é um problema de posicionamento. Muitas vezes, eles não podem sair e intercetar a bola porque simplesmente estão mal posicionados. E porquê? Porque têm comportamentos que não se regem por princípios de jogo que os ajudem a interpretar o mesmo. O guarda-redes não precisa, necessariamente, de ser alto, como todos dizem, super rápido, super ágil ou “tecnicamente” refinado. Ele precisa é de ser mais rápido que os outros a interpretar o jogo.
Embora os treinadores afirmem que a tomada de decisão é a qualidade mais importante para um jogador e também para o guarda-redes, verifica-se que, no entanto, a mesma não é o ponto de partida para a sua conceção de situações de aprendizagem. Porquê?
Primeiramente precisamos entender a história do função de Treinador de Guarda-Redes. Os primeiros surgiram nos anos 80. Eram ex-Guarda-Redes e, basicamente, tentavam transmitir as “suas técnicas” aos seus Guarda-Redes, caracterizando-se, também, como uma época onde os Preparadores Físicos tinham um grande impacto no staff técnico. A influência destes dois tipos de pensamento “especializado” teve impacto na forma como os treinadores de guarda-redes passaram a abordar a sua forma de treinar nos anos 90, onde se consolidou a função de treinador de guarda-redes.
Assim, esta atividade existe há 30/35 anos, e só nestes últimos 15/20 anos o jogo do Guarda-Redes teve uma mudança drástica e impactante na forma como as equipas jogam (especialmente ofensivamente).
É neste momento que os Treinadores de Guarda-Redes começam a falar sobre a importância da tomada de decisão. O problema é que durante 15 anos tu treinas de uma forma descontextualizada que estimula pouco a tomada de decisão futebolística e as tuas preocupações são com outras coisas. Sendo que agora queres dar importância à tomada de decisão (independentemente se é de qualidade ou não), mas as outras preocupações ainda estão presentes porque fizeste isso durante 15 anos. Mudar é difícil ! Também lutei com esta mudança, toda a minha vida como guarda-redes amador tive esse tipo de treino. Até quando comecei a estudar na Universidade sobre treino, essa forma convencional foi a primeira coisa que me surgiu.
No entanto, apareceu o Professor Vítor Frade, e mudou tudo, foi difícil mudar, porque as conceções de treino que tinhamos ainda estavam enraizadas nos nossos corpos.
Tive que pesquisar o que é o processo de tomada de decisão, o que são as habilidades motoras, como as desenvolvemos, etc.. A neurociência explica isso e é bem claro: o corpo funciona como um todo ! E se não consegues entender isto não vais mudar a forma de pensar e de treinar.
Assim, os treinadores falam sobre a tomada de decisão e usam a mesma com as suas conceções anteriores. Eles falam sobre os princípios de jogo, mas treinam-nos com as suas conceções anteriores. Eles falam da importância de treinar com a equipa, mas não abrem mão dos 45 minutos de treino individual.
Mudar é difícil e sem conhecimento torna-se impossível.
Como é que a tua abordagem se transfere para os guarda-redes que estão habituados aos seus anteriores treinadores de guarda-redes, eles próprios habituados ao trabalho isolado que é a norma ?
Cada caso é um caso, aquilo que eu lhes digo sempre é “vamos tentar, se não der certo fazemos à tua maneira”, e dá certo com todos ! Mas claro, eu verifico sempre, “ei, queres fazer mais alguma coisa ?”. Raríssimas são as situações que eles querem. Mas, tenho que respeitar a história do corpo deles e, por isso, estou sempre a “senti-los”.
Se lerem tudo isto, até podem pensar: mas ninguém faz trabalho “individual” ? E os avançados, etc. ? Claro que sim, mas não é o tradicional. Todas as semanas, nas sessões de treinos, fazemos situações de finalização, por exemplo como complemento da ativação, ou no final do treino. Mas, sempre com competição !
Queres melhor ativação para os teus guarda-redes ? Não conheço nenhum treinador de guarda-redes com melhor finalização do que os próprios avançados da equipa ! Mas, sempre com pausa, imprevisibilidade, contexto, princípios de jogo coletivos e competição !